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CURITIBA, QUINTA-FEIRA,
2 DE FEVEREIRO DE 2017
Diversão
&Arte
BEM
PARANÁ
Mulheresmuito
alémdeseutempo
Estrelas Além do Tempo
, que estreia nesta quinta-feira
em Curitiba, retrata três mulheres que tiveram conquistas
apesar da discriminação num ambiente machista nos anos 60
Estrelas Alémdo Tempo
, filme
que estreia nesta quinta-feira
emCuritiba, narra a história de
três mulheres corajosas e ex-
cepcionais que tiveramum im-
pacto extraordinário na histó-
ria. O filme é ambientado nos
turbulentos anos 60 nos Esta-
dos Unidos, em plena corrida
espacial contra a União Sovié-
tica. Umambiente que, na épo-
ca, não era lugar para mulher.
Menos ainda se fosse negra.
Mesmo assim, Katherine
Johnson (Taraji P. Henson), Do-
rothy Vaughan (Octavia Spen-
cer) e Mary Jackson (Janelle
Monáe) fizeram a diferença
naqueles tempos machistas e
racistas. Elas trabalhavam na
Nasa (a agência espacial nor-
te-americana) e eram chama-
das de "computadoras de cor",
mas foram decisivas para re-
verter a corrida espacial, que
então era favorável aos sovié-
ticos. Os cálculos matemáticos
de Katherine Johnson foram
fundamentais para o sucesso
da missão de John Glenn, "Fri-
endship 7", que o tornou o pri-
meiro americano a viajar em
torno da Terra em 1962.
O filme, baseado em fatos
reais, teve três indicações ao
Oscar: melhor filme, melhor
atriz coadjuvante (Octavia
Spencer) emelhor roteiroadap-
tado. Mas é Taraji P. Henson
quem capitaneia a nau, com
umdesempenhomagnético. A
atriz, que concede esta entre-
vista, chegou a se encontrar
com a verdadeira Katherine
Johnson, que hoje está com 97
anos e foi condecorada pelo
agora ex-presidente norte-
americano BarackObama.
Oque surpreendeu e inte-
ressou a você nessa história
maravilhosa?
Taraji P. Henson—
Foi sim-
plesmente incrível descobrir
que tantas mulheres estavam
envolvidas com enviar pesso-
as para o espaço, porque quan-
do se olha todas as gravações
ou documentários sobre a cor-
rida espacial, nunca se vê mu-
lheres negras, ou qualquer ou-
tra mulher, envolvidas ou
mencionadas. Assim, fico pen-
sando, o que aconteceu? Sim-
plesmente apagamos tudo
isso da história? O que estava
acontecendo? Senti que esta
história era, historicamente fa-
lando, muito importante.
Oquevocêdescobriusobre
essamulher que está interpre-
tando e sua personalidade?
Taraji P. Henson —
Ela
transmite uma força muito se-
rena. Acredito que a mente de
Katherine é tão brilhante que
ela parece gravitar acima dos
demais de ummodo mais ele-
vado, quase numa forma espi-
Cientistas
salvaram
programa
espacial
EstrelasAlémdoTempo
,
de TheodoreMelfi, traça
paralelos com
Os Eleitos
,
de Philip Kaufman, de
1983. Nãopode ser só co-
incidência.
Os Eleitos
era,
até certo ponto, sobre
um excluído (Chuck Ye-
ager). O filme de Melfi é
sobre excluídas, no plu-
ral. No filme dele, Kevin
Costner detecta um pro-
blema de cálculo pouco
antes do lançamento de
JohnGlenn ao espaço. O
próprio Glenn, já na pla-
taforma, sugere que “the
lady”, a moça, refaça os
cálculos. A “moça” é Ka-
therine Johnson, gênio
da matemática, um dos
computadores humanos
da Nasa. Naqueles tem-
pos heroicos da compu-
tação, 'Kat' corrigia amá-
quina. De salto alto, Kat
(Taraji P. Henson) corre
com seus cálculos refei-
tos. Chega a tempo de
salvar o astronauta, mas
a porta lhe é fechada na
cara. Pois Katherine é
negra e os protocolos da
Nasanãopermitema en-
trada de mulheres, mui-
to menos negras.
Para urinar, em tem-
pos de segregação raci-
al, Katherine temde cor-
rer muito até o seu ba-
nheiro semconforto. Por
isso, muitas vezes, Al
Harrison/KevinCostner,
não a encontra quando
procura. E ele se exas-
pera. 'Al' é a soma de três
homens que existiram
de fato naNasa dos anos
1960. Kat, Dorothy Vau-
ghn e Mary Jackson, in-
terpretadas por Taraji,
Octavia Spencer e Jane-
lle Monáe, são figuras
reais. Mas, na época,
eram figuras ocultas (
Hi-
dden Figures
, título origi-
nal). Como mulheres e
negras, por mais bri-
lhantes que fossem,
eram vítimas de um sis-
tema baseado na exclu-
são. E é sobre isso que o
filme fala. Sobre as lutas
demulheres negras para
se afirmar no mundo
preconceituoso. Éumfil-
me polifônico, nada sim-
plista e muito bem reali-
zado. Não por acaso, ga-
nhou o prêmio de elen-
co do SAG.
ritual mais elevada. Como as
pessoas iguais a ela são inteli-
gentes, de um certo modo sa-
bem coisas que os seres huma-
nos comuns não sabem
(risos)
.
Não queKatherine alguma vez
tenha pensado: "Sou melhor
do que você", é apenas que as
pessoas brilhantes como ela
nascem com um dom especial
que os outros não têm.
Como foi se encontrar com
Katherine e como se identifi-
cou comela?
Taraji P. Henson—
Encon-
trá-la foi uma oportunidade in-
crível e o que se sobressaiupara
mim é que ela é um excelente
membro de equipe e, da mes-
ma forma, também sou muito
cooperativa, não sou uma atriz
egoísta. Sei que nada sounuma
cena sem meu parceiro. Você
precisa dos parceiros. Qual é a
graçade fazer tudo sozinho?Eu
me identifiquei com ela na for-
ma como nunca se tomamuito
à sério.Quando estávamos jun-
tas, elame contou uma história
interessante. Disse que teveum
professor que sempre falava
para ela: "Estou cansado de
você me fazer perguntas para
as quais já sabe a resposta", e
ela respondeu: "Bem, eu sei que
essas seis pessoas ao meu re-
dor não sabem as respostas e
quero que elas saibam". Portan-
to, ela é muito humilde. En-
quanto fazia pesquisas e assis-
tia a entrevistas comela, obser-
vei que sempre que se vê ela
falando e quando o entrevista-
dor fala sobre Katherine ser ex-
cepcional naquiloque alcançou
na vida, ela sempre responde
dizendo: "Não era apenas eu,
éramos todos parte disso, éra-
mos uma equipe". Penso que é
como sinto meu talento. Não
acho que seja uma coisa egoís-
ta, é algo compartilhado.
Como você se preparou
para o papel?
Taraji P.Henson—
Fizmui-
ta pesquisa. Épreciso lidar com
o período e o que acontecia na
época. Havia segregação. Eu
praticamente nada sabia sobre
segregação, pois cresci em in-
tegração. Assim, tive que pes-
quisar tudo. Depois, tive que
conhecer essa mulher e sua
mente brilhante. Precisei reco-
lher todas as gravações que
pude encontrar e, certamente,
foi ótimo que pude ir me en-
contrar e conversar com ela. E
havia, também, uma monta-
nha de leituras a fazer e muita
aprendizagemdematemática.
E como isso foi desafiante?
Taraji P. Henson —
Pesso-
almente, eu não era boa em
matemática e não era conecta-
da com ciências. Assim, esse
filme me apavorou, pois trata
de tudo que me reprovava na
escola
(risos)
. Meu coração pal-
pitava comamatemática. Mas,
ao mesmo tempo, é por isso
que sou atriz, adoro desafios,
sou uma atriz treinada e é isso
que se faz neste ofício.
Atéagora,vocêrepresentou
muitos papéis variados emsua
carreira...
Taraji P. Henson —
Mas o
que está acontecendo na mi-
nha carreira recentemente,
devido ao sucesso de
Empire
, o
que é ótimo, agora existe uma
tendência para as pessoas me
verem apenas como Cookie e,
com frequência, esquecem de
todos os demais personagens
que interpretei, comoQueenie
(em
OCurioso CasoDe Benjamin
Button
) e tenho que fazê-los
lembrar: “Não, não sou apenas
a Cookie”.
Você pode comentar a di-
nâmica entre esse trio de mu-
lheres, altamente talentoso, em
Estrelas Além do Tempo?
Taraji P.Henson—
Katheri-
ne é a pensadora silenciosa. Se
considerar os relacionamentos
das mulheres como uma har-
monia tripartite, ela seria a so-
prano. Ela é o pássaro canoro.
Ela émuito tranquila. Fala ape-
nas quando tem alguma coisa
a dizer. É preciso lembrar que
ela fazmuitos cálculos. Enquan-
to está falando, ela vê números
emsuamente, seu cérebro está
sempre funcionando, assim
não fala muito. E quando fala,
comumente tem alguma coisa
a dizer
(risos)
! Mary
(JanelleMo-
náe)
é quem assume as conver-
sas. É uma personagem que
expressa abertamente suas
opiniões. Mas minha persona-
gem é maravilhosa. Há uma
ótima dinâmica para eu explo-
rar e será ótimo para os meus
fãsme verempassar da Cookie
[desembaraçada e durona] em
Empire, que não temmedo de
abrir a boca, para a Katherine
que émais reservada. Ela é exi-
gente na escolha de quando
falar. Embora haja momentos
em que ela poderia se fazer
ouvir e pudesse dizer "espere
um pouco", não fala muito!"
Estrelas Além do Tempo
é
muitodivertido,masvocêacre-
dita que se trata de um filme
que pode ter um impacto ver-
dadeiro, retratando mulheres
fortes usando o intelecto em
trabalhos importantes?
Taraji P. Henson—
Acredi-
to que a história seja bonita e
importante. É surpreendente
que essas mulheres, não ape-
nas as negras, mas mulheres
brancas também, foramapaga-
das da história. Temos visto
mulheres interpretando políti-
cas, advogadas e médicas no
cinema. Não acredito ter jamais
visto umamatemática ou cien-
tista negra, assimpensei: "Uau,
que oportunidade para dar a
jovens algo mais a que aspi-
rar". Essasmulheres erampen-
sadoras com mentes brilhan-
tes. Neste exatomomento, com
as mídias sociais, as opções
para jovens estão se tornando
bastante superficiais e limita-
das. Assim, penso que deter-
minadas coisas acontecemna-
turalmente, chegada a hora,
quando são necessárias. Pen-
so que neste exato momento
este filme seja relevante, não
apenas para garotas de cor,
para garotas, ponto. Para todos.
Taraji, em
Estrelas Além do Tempo
: “Essas mulheres foram apagadas da história”
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