Diversão & Arte [email protected] 15 Curitiba, segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019 ## LANÇAMENTO Por Adriana Del Ré Há tempos, Elba Ramalho é artista inde- pendente.Mais precisamente, como a can- tora lembra, desde o disco Qual o Assun- to Que Mais Lhe Interessa?, lançado em 2007 - e com o qual ganhou seu primeiro Grammy Latino. Após 40 anos de estrada, a liberdade artística lhe traz a doce sensa- ção de ser dona de seus próprios rumos. "O desvinculamento meu dos grandes selos foi para que eu ganhasse a liberdade", diz ela, ao Estado, antes de partir para Tran- coso, na Bahia, onde mantém um projeto de shows intimistas com convidados nes- sa época do ano. “Acho que artista tem que ser livre. Não consigo entender como você pode ficar sempre atendendo à necessida- de do mercado. Não tenho mais que provar nada. É aquela velha história: eu podia ter continuado a fazer, a cada ano, Banho de Cheiro 2, 3, 4. Foi uma música que pegou, virou um grito do carnaval. Mas não estou preocupada com essa história.” E foi por passar a integrar a cena indie - mesmo preservando o status de grande nome do mainstream - que Elba pôde voar mais longe em termos de sonoridade. Ela pode, sim, fazer frevo, forró, entre outros ritmos que marcaram sua carreira, mas se (e quando) quiser. Essas experimentações já vinham, não por acaso, desde Qual o As- sunto Que Mais Lhe Interessa? e se con- solidam agora, em seu novo álbum, O Ou- ro do Pó da Estrada, o 38º da carreira, em que se percebe cristalizada uma observa- ção bem colocada por Zélia Duncan sobre Elba no material distribuído para a im- prensa: “Tem um pé no sertão da sua ter- ra e o outro no mundo”. Elba também percebe dessa forma seu novo trabalho, que tem produção de Yu- ri Queiroga e Tostão Queiroga. “Já venho fazendo um pouco isso na minha história musical, mas, nesse disco, a gente fincou a estaca no chão mesmo, e a minha maturi- dade de passear por vários estilos, procu- rando tambémme renovar no canto,emal- guns (momentos) emtonsmais baixos, ou- tros em tonsmais altos”, pondera.“‘Oouro do pó da estrada’ é o aprendizado, é aqui- lo que você acumula, e acho que acumulei bastante para comemorar 40 anos, me de- safiando: ‘desacomoda, Elba, se reinventa para você ter motivação e não ficar cha- ta como artista cantando a mesma coisa’.” Ao longo de suas 13 faixas, O Ouro do Pó da Estrada, aliás, tratamuito dessa ideia do caminhar. A começar pela música que abre odisco,Calcanhar,parceriadeYuriQueiro- ga e Manuca Bandini, com texto incidental de Bráulio Tavares, que já tinha sido gra- vada pela cantora pernambucana Ylana Queiroga, irmã de Yuri, e ganhou versão mais “pesada” na releitura de Elba. “É uma das minhas músicas preferidas. Gosto do resultado sonoro que a gente fez, umbaião meio rock n' roll.Abri comela, porque acho uma música forte, e é a coisa também do pisar, do caminhar.” Nesse mesmo diálogo sonoro, mas com uma leve atmosfera de carnaval pernam- bucano, O Girassol da Caverna vem na se- quência, comdueto delicioso de Elba e Ney Matogrosso. A canção é de Lula Queiroga, e foi gravada no disco Baque Solto, de Lu- la e Lenine, na década de 1980.“Essamúsi- ca foi um resgate meu, fui buscar lá em 83, 84. O Yuri sugeriu que o Ney viesse. Eu dis- se: que genial, vamos ver se ele topa por- que é a cara dele, pela letra, pela poética. Ele gostou de cara. E arrasou. É a primei- ra vez que um disco meu tem participação do Ney; no palco, já fizemos coisas juntos. Somos amigos há muito tempo.” No repertório, O Girassol da Caverna é seguida de outra regravação,Girassol, can- ção que ficou famosa na interpretação de Toni Garrido à frente do Cidade Negra. Aqui o sucesso recebe nova roupagem, com introdução de cordas, e depois transitan- do entre o reggae e o xote. “Fiz muitos en- contros com o Cidade Negra, muitos sho- ws. Sou muito amiga do Toni. O barato e o prazer de ser intérprete é exatamente es- sa possibilidade de resgatar, trazer o (Ar- thur) Verocai, que veio com esse arranjão de cordas, e a levada do Yuri foi pensando na minha alegria, no palco.” Mais adiante, há outra aproximação in- teressante no roteiro do disco, entre a can- ção José, de Siba (do Mestre Ambrósio) e O Fole Roncou, de Luiz Gonzaga e Nelson Valença, como representações de duas ge- rações da música nordestina. “Eu queria essa diversidade de gerações, novas com antigas, com o que aprendi e com o que convivo.” Da mesma forma que é reverencial ao mestre Gonzagão, no álbum, Elba tam- bém recupera um lado B da obra de Bel- chior, ao cantar Princesa do Meu Lugar. Como foi essa escolha? "É um chamego meu. Belchior é um gênio. É uma música atraente, a gente conseguiu fazer meio um reggaezinho, suave, e fala também da história dele de ir, da vontade de ir em- bora", diz a cantora. Ela conta que, as- sim como os outros amigos do compo- sitor, ficou anos sem saber do paradeiro dele. “Ele sumiu para todos. Com a morte dele, chorei muito, sofri muito.” O Ouro do Pó da Estrada traz outras pé- rolas, como Oxente, música que Marcelo Jeneci finalizou com Chico César especial- mente para o disco; O Mundo, de André Abujamra; Se Tudo Pode Acontecer, de Ar- naldo Antunes, Alice Ruiz, João Bandeira e Paulo Tatit; Na Areia, de Juliano Holanda, segundo Elba, “uma das grandes promes- sas da cena musical de Pernambuco”. Va- le ressaltar que, nesse processo de “desa- comodar”, os produtores do disco tiveram papel importante, sobretudo Yuri Queiro- ga, que desafiava Elba e ela, instigada, em- barcava em suas ideias. “Eu como artista quero caminhar. Posso cantar Chico Buar- que, ou Lula e Lenine, ou Zé Ramalho, iné- ditas, ou só forrozinho simples. A essa al- tura, acho que posso me dar a esse luxo. A gente quer surpreender.” Com40 anos de carreira,Elba consolida liberdade artística em seu novo disco Ao longo de suas 13 faixas, ‘O Ouro do Pó da Estrada’, trata muito da ideia do caminhar e mudar os caminhos Credito “Posso cantar Chico Buarque,ou Zé Ramalho, inéditas, ou só forrozinho simples” “Acho que artista tem que ser livre. Não consigo entender como você pode ficar sempre atendendo à necessidade do mercado.” Da cantora Elba Ramalho

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