[email protected] 7 Curitiba, sexta-feira, 8 de março de 2019 Cidades ## DIA INTERNACIONAL Não há local seguro para mulheres; ambiente doméstico é o mais perigoso Em casa, no trabalho, na rua, na balada, não há lugar onde elas não sofram assédio ou agressões Narley Resende Emcasa,no trabalho,no trânsito,no transporte—público,táxi ou via aplicativo—, na rua, no bar, e em todos os outros lugares, sem- pre há casos de mulheres vítimas de crimes cometidos pelo fato de serem mulheres. Estupro, assédio físico e moral, agressões físicas e verbais, crimes com características sexistas e motivação que não se aplicaria no caso de uma vítima masculina. A pesquisa Violên- cia Contra as Mulheres, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada no fim de fevereiro, mostra que não existe lugar seguro para as mulheres. Em todos os ambientes elas sofrem agressões. E, para piorar, a pesquisa mostra que a maioria dos casos de agressão aconteceu no ambiente doméstico. Segundo o estudo, 76% das agressões são cometidas por homens conhecidos (na- morado, cônjuge, companheiro, vizinho ou ex). A maioria das ví- timas, 52% se calaram e não pediram ajuda da família e nem bus- caram uma delegacia. Mas, mesmo que em números menores, os demais ambientes também são locais onde elas sofrem de assé- dio a agressões—trabalho, escola, bares, parques, transporte e até mesmo em igrejas há relatos de casos. Na pesquisa, foram ouvidas 2.084 pessoas. Em 2018, por hora, ao menos 1.826 mulheres foram vítimas de algum tipo de violên- cia no Brasil. Ao todo, foram 16 milhões de brasileiras (27,4%) que sofreram algum tipo de violência. A maioria foi vítima de ofensa verbal, como insulto, humilhação ou xingamento. Segundo a promotoraAna Carolina Pinto Franceschi, coordena- dora doNúcleode Promoçãoda Igualdade deGênerodoMinistério Público do Paraná, a insegurança relacionada à violência de gêne- ro só pode ser reduzida com mudança na cultura. “Essa violência vai diminuir quando houver uma mudança de cultura, quando es- sas mulheres se sentirem empoderadas a noticiarem. A pesquisa mostra e todas elas confirmam (que não estão seguras emnenhum lugar). Não é uma aparência de que isso ocorra. É fato”, pontua. A subnotificação ainda continua a chamar atenção. “Há inquéritos que não chegaram ao MP ainda. Pela extração a gente observa que os números têm aumentado. Antigamente ainda não se chamava femi- nicídio,mas hoje há aindamuitos casos de feminicídio tratados no in- quéritopolicialcomohomicídiocomum.Existe,semdúvida,subnotifi- cação emortes demulheres que recebemoutras notificações”, afirma. Embora reconheça avanços, a promotora ressalta que o machis- mo ainda é institucionalizado. “Só a lei mais severa não basta. A gente precisa do empoderamento da mulher, reduzir a dependên- cia dessas mulheres e aperfeiçoar a rede de combate à violência. Existe preconceito, machismo institucionalizado, por ela ter ver- gonha e medo”, diz. Bebida, drogas e machismo movem a violência de gênero A delegada Eliete Aparecida Kovalhukm, da Delegacia da Mulher de Curitiba, afirma que apesar de local diversificado, os casos mais co- muns de violência contra a mulher ainda ocor- rem quando o homem está bêbado ou drogado. “Dentro de casa, (a maioria é de) pessoas em- briagadas, normalmente o homem embriagado ou sob efeito de entorpecente. Mas infelizmen- te ainda temos a questão cultural. Muitos ho- mens ainda não entenderam que hoje a mulher não é mais um ‘patrimônio’ do homem, que pa- ra ele não merece estar ao lado e sim atrás, sub- missa às vontades dele”, lamenta. Violência doméstica e crimes contra dignida- de sexual são as duas principais atribuições da Delegacia da Mulher. “O lugar onde a mulher mais deveria se sentir segura, ao lado das pes- soas em que ela mais confia, são as primeiras que a ferem, a apunhalam. No caso dos delitos sexuais, tem outros lugares. Casos que ocorrem na balada, táxis e veículos de aplicativos. E ocor- re no meio da rua, que são aqueles estupros se- riais que ocorrem no início de manhã e final de noite, em locais ermos, onde a mulher é abor- dada e levada a matagal”, afirma. Em seguida, segundo a delegada, as agressões diversas ocorrem em trânsito. “Existe em ôni- bus.Agente temmuita importunação sexual em ônibus, mas em via pública, em parques. Importunação em ônibus já contabilizam 14 casos em 2019 Nos últimos 12meses, segundo o fórumde segu- rança,onúmerodemulheresassediadasfisicamen- te no transporte público é de quase 4milhões, con- siderando as entrevistas realizadas pelo Datafolha, que aponta também para subnotificação. EmCuri- tiba, segundo a Patrulha Maria da Penha, da Guar- da Municipal, no ano de 2018 foram registradas 59 ocorrênciasenvolvendoimportunaçãosexualeatos obscenos no transporte público. Foram oito casos em janeiro e outros oito no mês de fevereiro da- queleano.Neste iníciode2019,já foramregistradas 14 ocorrências: sete em janeiro e sete em fevereiro. “Existem duas situações no transporte. Quando oônibusestá lotadoénatural queaspessoas seen- costem, infelizmente, uma na outra. Só que o ho- memnãopode seaproveitar dessa situaçãopara se aproximar mais acintosamente,mais lascivamen- te damulher”, afirma a delgada Eliete Kovalhukm. A presença de testemunhas ajuda na punição do agressor. “A gente teve um caso aqui em que esse fator foi justamente a razão de a gente ter autuado, porque o ônibus nem estava tão lota- do, mas mesmo assim ele se aproximou da mu- lher, a pretexto de dizer que estava lotado, mas não estava, porque a gente teve testemunha, e efetivamente acabou roçando o membro sexual nas costas dela. Houve uma importunação sexu- al porque não havia motivo, foi absolutamente deliberado, não foi involuntário”, diz a delegada. RÁPIDA Casa é o local menos seguro Entre os casos de violência, segun- do o levantamento do Datafolha, 42% ocorreram no ambiente do- méstico. Após sofrer uma violên- cia, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda. “Em geral, sim. In- felizmente a casa é o principal lo- cal de agressão. Não só feminicidio, como outras violências contra mu- lheres. Nessa pesquisa, as mulheres responderam”, confirma a promo- tora. Entre os casos mais recentes, o mais emblemático é da advoga- da Tatiane Spitzner, de 29 anos. Ela foi morta pelo marido, em agosto, e teve corpo jogado do 4ª andar do prédio onde morava, em Guarapua- va, na região central.

RkJQdWJsaXNoZXIy NDU2OA==