[email protected] 5 Curitiba, segunda-feira, 25 de março de 2019 Cidades ## TECNOLOGIA EM XEQUE Ministério Público do Trabalho investiga aplicativos de entrega Avanço de plataformas também preocupa motofretistas, que pedem regulamentação Narley Resende O avanço de aplicativos de “entrega de qualquer coisa” em Curitiba - como as gi- gantes Rappi e Uber Eats; a curitibana Ja- mes, líder na capital paranaense, que re- centemente foi comprada pelo Grupo Pão de Açúcar; a Ioggi e a própria iFood - tem preocupado autoridades e representantes de motofretistas, que aguardam por regu- lamentação do novo serviço.Aexemplo da revolta de taxistas após o surgimento de aplicativos de motoristas particulares, os “motoboys” que prestam o serviço con- vencional de entregas também protestam contra a nova modalidade. O principal ar- gumento é de combate a uma competição desleal e sucateamento da profissão. O Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR) deve publicar em abril relatório de uma investigação que envolve empre- sas de aplicativos de entregas no Estado. O procurador do Trabalho Alberto Emi- liano de Oliveira Neto é o relator do caso. “Temos uma investigação emcurso no Pa- raná. Nós entrevistamos mais de 40 mo- tofretistas. Esses dados estão sendo apu- rados agora e quando tivermos um rela- tório vamos divulgar. Devemos terminar isso para o próximo mês. (Motofretistas) devem usá-lo, é um relatório público, e o MinistérioPúblico vai usar para investiga- ções específicas dessas empresas que atu- am nesse ramo das plataformas digitais”, afirma o procurador. Oliveira Neto afirma que o serviço é ca- rente de legislação. “O Ministério Público recentemente publicou estudo específico sobre essas plataformas digitais. Esse es- tudo mostrou que essas plataformas tem simresponsabilidade pelo trabalho desses profissionais. A partir de decisões proferi- das emações individuais,opróximopasso é oMPT ingressar comação coletiva para ga- rantirdireitosmínimos.Semprejuízo,écla- ro,doCongressoNacional,quedeve legislar sobre o assunto. O Congresso ainda não se debruçou sobre essas plataformas digitais. Isso é importante e não só ao motofretista, mas também ao médico, jornalista, e qual- quer outro profissional”, afirma. O procurador ressalta que a legislação que trata do serviço específico hoje dá des- taque à questão do trânsito. “A lei federal se apega à questão do trânsito, que é im- portante. A moto tem que estar inspecio- nada, o piloto com colete. A lei não trata da tutela, da proteção, dos direitos traba- lhistas. Ela trata da condição do veículo e do condutor. Não define que o motofretis- ta tenha direitos básicos, férias, horas mí- nimas, etc”, afirma. ]Para oprocurador,todas uma análise le- gislativa da atuação das plataformas digi- tais deve esclarecer o papel das platafor- mas nas relações de trabalho. “Estamos falando de plataformas digitais que in- fluenciam na execução do trabalho. O tra- balho dos motoristas ou dos motofretis- tas requer uma proteção específica. Que proteção será? Isso tem que se verificar. Nas investigações, oMPT quer apurar qual o papel dos aplicativos nessa relação. Se atua como plataforma ou recrutador que organiza esse motofretista no serviço de entrega”, questiona. O Bem Paraná procurou as empresas Ra- ppi e James para comentar os questiona- mentos, mas não obteve resposta. Divulgação Aplicativos de entrega “usam” motociclistas e cicilistas Ex-colaborador entra com ação e reclama de valores baixos Motofretista que moveu ação traba- lhista contra uma empresa de aplicati- vo de entregas, Lucas Silas Santos Sal- vador, de 22 anos, afirma que os mais jovens acabam preenchendo o espa- ço de profissionais que se recusam a ganhar menos. “A ‘piazada’ que come- ça com os aplicativos é nova, tira uma carteira (de motociclista) e começa a trabalhar. Eles pensam que estão ga- nhando, mas só percebem depois que só estão perdendo”, avalia. O motofretista que diz ter feito mé- dia de 150 quilômetros por dia, por R$ 30,00 a diária e R$ 3,00 por entrega, re- clama ainda que aplicativos ainda uti- lizam terceirizadas para o serviço de entrega, o que reduziria ainda mais o pagamento. “Dava para fazer 60 ou 70 reais por dia, fazendo umas 11 entre- gas. Mas no último mês de trabalho, que era para 90 motoboys receberem, todo mundo levou calote. O aplicativo pagava para o terceirizado e o terceiri- zado foi punido pelo aplicativo. Só que ele (terceirizado) sumiu com o dinhei- ro e todo mundo ficou sem receber (em dezembro de 2018). A base do aplica- tivo mandava mensagens (aos entre- gadores) cobrando pelas entregas, fa- lando sobre o serviço. Eu fui o único que processou o aplicativo”, diz. O ra- paz afirma que após a ação, a empre- sa de aplicativo bloqueou seu acesso e impediu que ele pudesse continuar prestando serviço. Revoltado com a experiência, o ra- paz reclama de exploração. “É mais avanço para eles que pagam menos e recebemmais. Omotoboy se arrisca na noite, na chuva, por 10 reais. Tem apli- cativo que está pagando 3 reais. É um absurdo. E olha que sou a favor da re- forma trabalhista, mas a empresa não pode só ganhar em cima do trabalha- dor.”, relata. Para Cacá Pereira, presidente do sin- dicato dos motofretistas, atualmente a operação dos aplicativos de entrega é irregular. “Não pode rodar motofre- tista que não atenda a lei. O aplicati- vo, que é empregador, tem que respon- der solidariamente até em caso de aci- dente. Só que não estão contratando como deve ser. E não cumprem direi- to nenhum desses trabalhadores. Nos- sa preocupação é de que a categoria cumpra instrumento coletivo de tra- balho como base de ganho desse tra- balhador, ou seja, ganhar o mínimo da convenção para cima”, cobra. Alegando também ausência de segu- rança a clientes, Pereira também ataca empresas como restaurantes e outras que usufruem do serviço. “Estão ven- do o lado delas (empresas) e não estão preocupadas com o cliente. No aplica- tivo, eles mexem no valor (é mais ba- rato à empresa e ao cliente), mas não se preocupam em saber quem são os profissionais”, reclama. Curitiba tem 10 mil profissionais regulares; plataformas teriam dobrado o número Curitiba tem hoje - segundo estimativa do Sindicato dos Trabalhadores Conduto- res de Veículos, Motonetas, Motocicletas e Similares (Sintramotos) - cerca de dez mil profissionais atuando regularmente, como prestadores de serviço autônomos ou por meiodeCLT (Consolidaçãodas Leis doTra- balho). A chegada dos aplicativos teria do- brado o número de entregadores na cida- de, mas ainda não há números oficiais em razão da ausência de regulamentação e de as empresas não revelarem dados por es- tratégia de competição. Onúmerode ciclistasno serviço também está em ascensão. Hoje, em Curitiba, cerca de 10%dos entregadores via aplicativos fa- riam o trabalho com bicicletas convencio- nais ou elétricas, alémdemotonetas adap- tadas. Para trabalhar com o serviço, bas- ta fazer um cadastro no app e, com isso, o trabalhador recebe uma mala em forma de caixa. Depois, é só colocar a mala nas cos- tas e esperar pelos pedidos.“Mas isso gera um problema, porque o motofretista que trabalha à noite ganha adicional”, aponta opresidentedosindicatodosmotofretistas de Curitiba e região, Cacá Pereira. Profissionaisqueatuamde forma regular afirmam que notaram no bolso o impacto da ascensão dos aplicativos. Enquanto um trabalhador convencional,regulamentado, faz dez entregas em uma noite e ganha em média R$ 120,00 por período (18h à 0h), um colaborador de aplicativo ganha me- tade do valor. Um funcionário que atua de acordo com a lei 12.009/09 (conheci- da como Lei dosMotoboys) ganha emmé- dia R$ 1.180,00 por 220 horas mensais, além de 30% de adicional de periculosi- dade, taxa mínima de R$ 3,00 por entre- ga e diária de R$ 20,00 por uso de moto- cicleta própria. CONSUMIDOR Cliente elogia e diz que confia nos apps Para cliente ouvida pelo Bem Paraná, as vantagens dos aplicativos ofuscam even- tuais problemas causados aos profissio- nais. Usuária recente da modalidade de entregas, a analista de telecomunicações Rosângela Koren afirma que a tecnologia trouxe melhorias.“Comecei a utilizar há três semanas. Uso pela comodidade. Acre- dito que as entregas via aplicativo são melhores no sentido de que há maiores possibilidades de pagamento - algumas são feitas diretamente pelo aplicativo - além de podermos saber a localização do entregador”, afirma. Rosângela não se preocupa com a ausência de vínculo dos profissionais e afirma que não tem medo dos entregadores.“Não, não tenho medo. A princípio sim (confio na política de se- gurança do app”, diz.

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