[email protected] Cidades 3 Curitiba, quinta-feira, 13 de agosto de 2020 ## EFEITOS DA COVID-19 Cicloentregadores se multiplicam pelo Centro de Curitiba Em busca de renda, trabalhadores tem encontrado na bicicleta e nos serviços de delivery uma saída para a crise Rodolfo Luis Kowalski Em tempos de retração domercado de trabalho, tra- balhar com tecnologias disruptivas acaba sendo uma opção àqueles que precisam urgentemente gerar al- guma renda e dois grandes exemplos disso são a Uber e a 99. Acontece, porém, que a aquisição ou mesmo o aluguel de um carro pode não ser algo tão acessível ou mesmo rentável emtempos de isolamento social, com baixa demanda por corridas. Por outro lado, na estei- ra da crescente demanda por serviços de entrega/de- livery, Curitiba tem acompanhado nos últimos tem- pos um verdadeiro ‘boom’ no número de cicloentre- gadores pela cidade, especialmente na região central. Umdos criadores do Sistema Hermes, anteriormen- te chamado de Mobilibike e que trabalha exclusiva- mente com entregas feitas por ciclistas em Curitiba, Eduardo Ramires ajuda a dar uma dimensão desse crescimento. Segundo ele, desde a criação da plata- forma, em 2016, quase 30 mil ciclistas se inscreveram, sendo aproximadamente 3mil deCuritiba.Noperíodo da pandemia, contudo, houve aumento de 300% nos cadastros, inclusive com muita gente de outras cida- des tentando se inscrever (embora a plataforma aten- da apenas a capital paranaense). “Agora na pandemia teve aumento grande no nú- merode pessoas interessadas emfazer entrega.Antes, víamos que as pessoas interessadas eram entusiastas da bicicleta, pessoas ligadas com a questão de susten- tabilidade. Hoje, já é muito esse relato de desespero, de precisar fazer entrega para poder gerar renda”, co- menta Ramires.“E isso foi meio paradoxal, porque te- ve aumento muito grande no número de pessoas in- teressadas em fazer entrega e a renda média dos en- tregadores caiu”, complementa. Além do Sistema Hermes, as grandes plataformas de entrega, como Uber, 99 e Rappi, também trabalham com cicloentrega. Dessa forma, é seguro dizer que o crescimento da antiga Mobilibike representa apenas uma fatia do que realmente avançou o mercado. E quemconstata isso são os próprios cicloentregadores. “Está aumentandobastante.Amaioria [dos cicloen- tregadores] tem dois empregos. Trabalha de vigilan- te, e nas horas vagas faz o app também. Para ter al- guma coisa hoje, precisa ter dois empregos. Já vi gar- çom trabalhando de app, muitas outras profissões”, conta João (nome fictício, já que o entrevistado pe - diu para não ser identificado), que há dois anos tra - balha com entregas. Já Gil (também nome fictício) conta que usou o di - nheiro que recebeu do auxílio emergencial pago pelo governo federal para comprar uma bike.“Estou traba- lhando [com entregas] há uns três meses. Fiz o cadas- tro pouco antes de começar a quarentena e comecei a sair já na própria quarentena. Como eu estava bem parado, foi uma saída para mim”, conta ele. “Comprei usando dinheiro do auxílio emergencial. Tinha umbi- ke bem precária e decidi investir em algo melhor. Mo- ro em São José dos Pinhais, todo dia venho de lá até aqui [Centro de Curitiba],então tive de fazer umesfor- ço [para comprar uma nova bicicleta”, complementa. Franklin de Freitas R$ 1 mil por mês para trabalhar 10 horas por dia Trabalhar com entregas, contudo, não é algo tão fácil nem mesmo tão rentável. Gil, por exemplo, sai todos os dias de São José dos Pinhais pa- ra trabalhar no Centro de Curitiba. Já João pedala da Borda do Campo, também em S. J. Dos Pinhais, até a capital paranaense. Por dia, contam, rodam mais de 70 quilômetros. Por mês, tiram pouco mais de R$ 1 mil. “As condições não são muito bo - as. Antes era melhor, tinha meta e, se a gente fazia tantas corridas, dava um dinheiro a mais. Agora não tem mais isso”, relata Gil. “Comecei há dois anos e por um ano e meio tra- balhei de moto fazendo entrega. No começo os apps pagavam bem, dava para sobreviver. Mas aí começaram a cortar benefícios e a pagar cada vez menos. Um tempo atrás rouba- ram minha moto, não consegui re- cuperar e aí fui para bike”, comen- ta ainda João. Trabalhar com entregas não é um trabalho fácil: eles rodam até 70 quilômetros diários para ganhar menos de um salário mínimo Bicicletaria Cultural ajuda entregadores Localizada na região cen- tral de Curitiba, a Bicicleta- ria Cultural, reconhecendo os cicloentregadores como a grande massa de ciclistas atualmente pedalando pelo Centro, resolveu criar uma campanha de financiamen- to por meio da plataforma Benfeitoria, campanha esta chamada de Entrega Amiga. Desde 2018 o estabeleci- mento oferece um espaço cicloentregadores poderem parar e descansar, tomar água, recarregar o celular ou mesmo a bike elétrica, usar o banheiro ou esquentar a marmita. “Desde 2018 já recebemos esses cicloentregadores e vi- mos que eles precisavam de um espaço assim. Esse projeto, então, reco- nhece o quanto esses traba- lhadores precisam desse es- paço de apoio e como nós, enquanto sociedade, preci- samos que eles mantenham uma certa qualidade, bem- -estar e segurança”, expli- ca Patrícia Valverde, sócia- -proprietária da bicicletaria. Além disso, também foi fe- chada uma parceria entre a Bicicletaria Cultural e o pes- soal da Marmita Solidária e da Gastromotiva. “Todos os dias eles entregam de 300 a 500 marmitas em praças. Agora, cerca de 40 vão para a Bicicletaria e os cicloen- tregadores vão lá receber es- se alimento”, conta Valverde. Reclamações Os entregadores em geral, sejam atuando de bicicleta, motos ou outros veículos, re- clamam dos baixos valores que recebem por entrega. No mês passado os motoboys fi - zeram, em nível nacional, uma manfiestação contra os aplicativos de delivery exi- gindo uma revisão nas taxas.