[email protected] Cidades 10 Curitiba, quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023 Casos de importunação sexual crescem 24% no PR e acendem alerta no Carnaval Defensoria Pública destaca que os números são reflexo de um problema estrutural, em que os alvos preferenciais são mulheres Às vésperas do feriado de Carnaval, oNú- cleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) ressalta a importânciade se conscientizar e combater os crimes de importunação sexual, e alerta sobre a necessidade de denunciar eventu- ais ocorrências emmeio às festividades. Is- so porque, segundo o relatório de ocorrên- cias criminais de importunação sexual da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (SESP/PR), publicado na última quarta-feira (8/02), houve um aumento de 24% no número de boletins de ocorrência sobre esse crime registrados em 2022, em relação ao ano anterior. Foram 2.263 casos computados pelo Centro deAnálise, Plane- jamento e Estatística (CAPE) da SESP/PR, 439 a mais do que em 2021. Segundo a defensora pública Maria- na Martins Nunes, coordenadora do NU- DEM, há ainda um senso comum de que as comemorações carnavalescas dariam per- missão para atos de cunho sexual prati- cados sem o consentimento de outra pes- soa. “Muitas pessoas consideram o carna- val, época do ano de grande festividade no Brasil, mais permissiva para compor- tamentos machistas e abusivos, alegando ‘achei que ela quisesse’, ‘foi só um beiji- nho’, ‘é carnaval’, ou ‘foi culpa do álcool’”, explica Nunes. O ambiente público, que comumente é o que recebe trios elétricos, blocos e ou- tras atrações no Carnaval, aparece como o segundo local onde mais se registrou es- se tipo de crime: 520 boletins de ocorrên- cia sobre importunação sexual computa- dos pela SESP no último ano se referem a crimes praticados em espaços públicos, um aumento de 22% em comparação a 2021. A quantidade de casos registrados nestes locais só fica atrás daqueles prati - cados na própria residência da vítima, on- de ocorreram 756 atos. Ainda, conforme o relatório, 71 casos foram em “ambientes de alimentação e diversão”, como bares e restaurantes… Em 2023, pela quarta vez o feriado ocor- re sob a vigência da Lei de Importunação Sexual, dado que a legislação foi sancio- nada em setembro de 2018 e as comemo- rações de 2021 não foram realizadas a fim de conter o avanço da Covid-19. A lei nº 13.718 tipificou o crime de importunação sexual para dar conta de situações que, ou não eram tipificadas como crime, ou eram por vezes enquadradas na contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (hoje revogada), que resultava no paga- mento de multa pelo autor do ato. Atual- mente, as penas para a importunação se- xual variam de 1 a 5 anos de reclusão, se o ato não constituir crime mais grave (co- mo um estupro). A defensoria pública destaca que os nú- meros são reflexo de um problema estru - tural: “A cultura machista ainda acha que uma mulher não pode usar uma fantasia e pular carnaval com o intuito de se diver- tir sem ser incomodada. Mulheres têm di- reito à diversão sem importunação”. Se- gundo o levantamento da SESP, em 57% dos boletins de ocorrência no Paraná, as vítimas tinham entre 12 e 24 anos; ainda, 37% envolvem vítimas entre 12 e 17 anos. # COMO DENUNCIAR Cassiano Rosário Para defensoria, números são reflexo da cultura machista SAIBA Como denunciar? Em Curitiba, onde 335 boletins de ocorrência sobre importunação sexual foram registra- dos em 2022, as vítimas podem procurar ajuda na Casa da Mulher Brasileira (CMB) pa- ra realizar o boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher. No interior do estado ou on- de não há Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), é possível se dirigir a qualquer Delegacia de Polícia. Além disso, é importante, se possível, reunir testemunhas e outras provas, como filmagens e fotos. No entanto, apenas a palavra da vítima pode ser prova idônea para o registro da ocorrência. Além disso, qualquer pessoa que presencie uma importunação sexual pode li- gar no 190, para denúncia à Polícia Militar, ou ligar para a Central Nacional de Atendimen- to à Mulher, por meio do Disque 180, para obter mais informações sobre como proceder e quais os serviços disponíveis em sua localidade. O que diz o Código Penal O Código Penal considera importu- nação sexual todo ato libidinoso pra- ticado contra alguém sem a sua anu- ência da vítima, com o fim de satisfa - zer o prazer do ofensor ou de terceiro. A lei considera que qualquer pessoa – homem ou mulher – pode ser vítima desse crime, porém, estatísticas de- monstram que, devido ao machismo estrutural, a imensa maioria das víti- mas é mulher. São exemplos de importunação se- xual “assediar fisicamente uma mu - lher, fazer comentários desrespeito- sos [sobre seu corpo] – as famosas ‘cantadas’, toque indesejado no cor- po, beijos e abraços forçados, puxar pelo braço, puxar o cabelo, esfregar o órgão sexual no corpo da mulher, se masturbar ou ejacular em público, bem como encaminhar fotos, vídeos e áudios de cunho sexual pelos meios eletrônicos sem o consentimento da vítima”, descreve a coordenadora do NUDEM. De acordo com a defensora públi- ca, a lei não exige que haja toque fí- sico na vítima para que se configure o crime de importunação sexual, co- mo nos casos demasturbação sem to- que e os comentários desrespeitosos. Pessoas vitimadas ou que presenciem uma importunação sexual, ainda que sem contato físico, podem registrar um boletim de ocorrência. A interpretação jurídica sobre ha- ver crime quando não há toque se- gue em discussão, e não há um en- tendimento definitivo sobre a tipifi - cação do crime nessas situações. No entanto, alguns tribunais têm enten- dido que,mesmo sem toque, há a prá- tica do crime, no que alguns desem- bargadores e desembargadoras têm chamado de “contemplação lasciva”, em que um olhar ou um ato voltado para uma pessoa, mesmo sem toque, já pode configurar uma importunação sexual. Ainda, Nunes reitera que, in- dependentemente de a vítima já ter mantido contato sexual com o agres- sor antes do crime, qualquer ato de cunho sexual sem o consentimento dela poderá configurar importuna - ção sexual. Embora se reconheça que em mui- tos casos a mulher ainda possui difi - culdades para registrar um caso em que não tenha havido contato entre agressor e vítima, a recomendação é de que a mulher busque denunciar tais casos e exija seus direito.