7 [email protected] Cidades Curitiba, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019 Cultura de relação entre clientes e funcionários ‘morre junto com a locadora’ Ainda na era das locadoras, que teve seu ápice nos anos 90 e começo dos anos 2000, passando pela transição de fitas cassete para DVDs, depois Blue Ray e 3D, a Cartoon se destacou por inves- tir em informação. “Era feita uma rigorosa sele- ção na entrevista (para contratação de funcioná- rios) e selecionávamos aqueles que tinham não só conhecimento profundo de cinema, mas tam- bém bom relacionamento com o cliente. Graças a Deus, de uma forma geral, sempre tivemos al- ta capacitação. Isso, obviamente, tinha um retor- no. O cliente voltava e gostava disso. E também na seleção do acervo. Tínhamos funcionários que assistiam aos filmes para selecionar os mais ade- quados para o acervo, a quantidade e volume. Nós comprávamos títulos comerciais com muitas có- pias, com prateleiras que tinham de 50, 80 a até 100 cópias para poder atender à clientela”, conta o empresário Neivo Zanini. O fim das locadoras encerra também a relação de intimidade entre clientes e funcionários. Re- contratado neste ano para organizar a venda do acervo, Vinicius Costa Pinto, de 24 anos, lamen- ta também o fim da cultura. “Morre junto com a locadora. Não existe outra maneira de criar esse vínculo com o cliente. Pessoalmente é um baque. É um polo cultural. A questão de que as pessoas se apropriavam, no entorno, tinham um lugar no qual podiamvir.Durante anos desenvolvemos um método de atendimento personalizado, de proxi- midade com o cliente. Apesar de termos um por- te grande, o atendimento é de bairro. Tem clien- te que nem vinha para alugar, mas só para con- versar sobre filmes”, conta. Vinicius lembra que havia especialistas, alguns “famosos” entre os clientes, por saberem exata- mente o que indicar para cada um.“Todos (os fun- cionários) têm que curtir cinema, mas nesse caso específico, existia o vídeo indicador, como o Ilvor, acho que é o funcionário mais icônico da locado- ra, também o Valdemar, Edison e todo mundo in- dicava filme. E cada um deles dividia o público. Quem gostava de arte pedia indicação para um, filme clássico para outro. Você descobria o gosto do cliente e como ele voltava para a loja você já sabia do que ele gostava. Cada funcionário se pre- parou para atender com intimidade. Cada funcio- nário tem cinco ou dez clientes que sempre con- versavam e viraram amigos até”, retrata. O funcionário conta que desde 2013 já se sabia que a loja acabaria por fechar.“Mesmo quando ain- da tinha movimento, os clientes já perguntavam. Depois foi indocomcortede custos,cortede custos. Realmente se tornou insustentável. De 2016 para 2017 foi obaque”,lamenta.Os funcionários,muitos viraram amigos, farão uma confraternização após o fechamento, incluindo os clientes mais íntimos. Ainda nos últimos dias antes do fim, a arqui- teta Thais Zwiener estava na loja nesta semana. “Sou cliente há muito anos, nem sei quantos. A gente entende a situação, porque as plataformas de vídeo, como Netflix, e agora até a Disney tem uma, então isso a gente já esperava”, diz. No en- tanto,Thais concorda que a perda irreparável será a do relacionamento com os funcionários. “Isso a gente vai sentir muita falta”, diz, grata, a cliente. # 33 ANOS DE HISTÓRIA Cartoon fecha as portas, coloca títulos à venda e deixa saudades Locadora não aguentou a concorrência dos serviços de streaming e da pirataria Os 14mil títulos de filmes emmídia física daCartoonVídeo,Loja Cabral, serão colocados à venda a partir do dia 1º de março. A lo- cadora, que tem 33 anos de existência, vai fechar definitivamente as portas para locação no dia 26 de fevereiro. O ritual de locação, que inclui consulta aos “vídeo-indicadores”, especialistas que fa- ziamamizade e traçavamo perfil de cada cliente,deixará saudades aos amantes de cinema, nostálgicos da locação de filmes em cas- sete, DVD, blue-ray e 3D . Segunda locadora mais antiga de Curi- tiba, a Cartoon aguentou o que pôde na competição com as novas plataformas de streaming de vídeo, como Netflix, ou serviços co- mo Now, Claro Vídeo e outros, além da pirataria, considerada vilã responsável por parte da debandada da clientela. Ao longo dos anos, a Cartoon registou um total de 155mil clien- tes cadastrados, atendidos por 490 funcionários que passarampe- las três lojas, desde que a marca abriu as portas em 1986 na capi- tal paranaense. A loja do bairro Cristo Rei fechou em 2013, e a do Ecoville, em 2015. A matriz, do Cabral, é a última a fechar. A de- cisão está tomada há um ano, segundo o empresário Neivo Zani- ni. Ele diz ter tomado o cuidado de frear a estratégia de expansão da empresa e passou a demitir funcionários aos poucos. Emocio- nado, Zanini se diz grato à equipe e aos clientes. “Muito difícil. O mercado já indicava a necessidade de fechar lá atrás. Eu fui pos- tergando, umpouco na esperança de poder continuar. Eu soumui- to grato, e gostaria de agradecer de coração aos colaboradores e clientes”, destaca. Zanini conta com orgulho como foi a trajetória e a forma como administrou o negócio. “Temos um acervo de 14 mil títulos agora, um dos mais completos do Brasil, principalmente porque a gente se dedicou aos filmes clássicos, europeus, asiáticos, latinos, ira- nianos, alémde umacervo completo de filmes antigos.Claro, tam- bém os filmes comerciais”, diz. Além da Cartoon, a Vídeo 1, também tradicional, fechou no ano passado. As duas locadoras, segundo Neivo, se mantiveram aber- tas por mais tempo por investirem em acervo robusto. Apesar dis- so, o empresário ressalta que a pirataria na Era Digital também contribuiu para a derrocada do meio tradicional. “Fomos venci- dos pela revolução digital e também pela pirataria, que está cir- culando abertamente no Brasil todo. A primeira (mais antiga) foi a Vídeo 1, que fechou faz uns 10 meses. Nós entramos em 1986 e foi um crescente permanente, até 2012, quando o mercado co- meçou a sinalizar estabilização. Começou a queda nos últimos 6 anos,namedida emque a internet e a pirataria avançaram”,avalia. Amarca, CartoonVídeos, deve ser encerrada junto com a loja fí- sica, já que o empresário não vê como entrar no mercado digital. “Não tem como. Isso só é viável para grandes grupos. Nessa área estou me despedindo. Commuita tristeza, fizemos muitas amiza- des, relação com funcionários. Muitos clientes estão lamentando, porque gostavam de pegar o filme e trocar ideias com os funcio- nários. Foram 33 anos de muito sucesso. Posso afirmar com gran- de orgulho que foi uma das maiores locadoras do Brasil”, lamenta. Fundada em 1986, Cartoon Vídeo foi uma das grandes de Curitiba: acervo será vendido ao público a partir do dia 1º de março

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