Jornal Bem Paraná - page 16

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CURITIBA, SEGUNDA-FEIRA,
18 DE ABRIL DE 2016
Diversão
&Arte
BEM
PARANÁ
Novo livro de
Patti Smith
viaja ao redor
domundo
Dois desastres
na obra
Há dois desastres
naturais presentes em
LinhaM
, o Furacão San-
dy e a tsunami no Japão
em 2011. Você acredita
queessesdesastres agem
na contramão da sua
consciência interior?
PattiSmith—
Dever-
dade, eu diria que sim.
Ambos tiveramumefeito
profundo. Quando fui
para o Japão, foi chocan-
te ver tanta destruição. E
oque euvi doSandy, que
foi terrível, parecia quase
pequenocomparadocom
oque aconteceu lá. Aper-
turbação e o caos da na-
tureza é algo que eu con-
templei profundamente.
Algumas das passa-
gens mais comoventes
do
Linha M
são aquelas
emque você fala de Fred
Sonic Smith (ex-marido
de Patti que morreu aos
45anosem1994).Seupró-
ximo livro vai ser sobre
esse relacionamento?
Patti Smith—
Come-
ceimeunovo livro, vai le-
var alguns anos ainda.
Esselivroserácomoairmã
de SóGarotos. Porque Só
Garotos éo irmão, focado
emRobert,eopróximovai
focar mais naminha pró-
pria trajetória, na minha
vida na música
Vocêestátrabalhando
emnovo álbum, é isso?
Patti Smith —
Tive-
mos que tirar um tempo,
porquemeubaterista (Jay
DeeDaugherty) foi diag-
nosticado com câncer na
garganta. Ele é o bateris-
ta por 40 anos. Ele tem
passadopela quimiotera-
pia, e acreditamos que fi-
cará bem, mas vai tomar
um tempo. Temos fé. Es-
tou fazendocomaminha
banda, Lenny Kaye,
Tony Shanahan. Meu fi-
lho Jackson vai tocar, es-
tou escrevendo canções
com minha filha Jesse. E
amigos, Tom Verlaine,
Flea, talvez Michael Sti-
pe. Estarei com 70 anos
neste disco, quis que fos-
se não apenas um novo
álbum, mas uma celebra-
ção da vida e algum tipo
de declaração para esse
temponaminhavida.Vai
ser importante, prova-
velmentemeu último ál-
bum com banda, então
realmente quero pensar
sobre o que estou fazen-
do, o que tenho que di-
zer. Vamos ver.
Guilherme Sobota
Várias designações pode-
riamvir antes do nome de Patti
Smith: cantora, compositora,
artista plástica, fotógrafa ama-
dora, precursora do punk rock,
performer, ativista. Mas aque-
la com que ela mais se identi-
fica é: escritora. Linha M, pu-
blicado agora no Brasil, é o seu
segundo livro de prosa—hou-
ve uma dúzia de coletâneas
de poemas antes de
Só Garotos
,
vencedor do National Book
Award em 2010 — e, diferen-
te do primeiro, mais voltado
ao presente. O seu grande
trunfo é justamente ser inclas-
sificável: uma ode à solidão,
um diário de viagem, um re-
lato de suas peregrinações pe-
los túmulos de autores ama-
dos e pelos cafés do mundo,
um delicado memorial de
seus parentes mortos e um li-
vro de memórias.
Se em
Só Garotos
ela partiu
de uma promessa feita para o
amigo e fotógrafo RobertMap-
plethorpe, em Linha M ela
saiu, basicamente, da própria
cabeça. Emuma conversa com
o jornal
OEstado de S. Paulo
por
telefone desde Paris, onde está
para divulgar a edição france-
sa, ela: refletiu sobre o livro
(que fez Michiko Kakutani es-
crever noTheNewYorkTimes:
"uma eloquente e profunda-
mente comovente elegia para
o que ela perdeu e não pode
encontrar mas pode lembrar
em palavras"); falou sobre Ro-
berto Bolaño; chamouDonald
Trump de "idiota"; e prometeu
vir ao Brasil logo com a turnê
dos 40 anos de Horses.
Só Garotos
partiu de uma
promessa, mas
Linha M
vem
de outro lugar... onde?
Patti Smith —
É parcial-
mente de um sonho, parcial-
mente de meu próprio lugar.
Ninguém me pediu para es-
crever, eu não tinha um plot.
É por isso que é chamado M
Train, mental train, mind
train, eu só quis ver aonde eu
iria. As coisas que me interes-
saram. Escrevi, todo dia, acu-
mulando, e ele se tornou uma
jornada.
Podemos dizer que
Só Ga-
rotos
éumlivrosobreopassado
e
LinhaM
é sobre opresente?
Patti Smith —
Sim, pelo
que posso dizer. Mas também
Só Garotos é um livro que Ro-
bert me pediu para escrever,
tinha uma grande responsa-
bilidade, e em Linha M eu
estava tentando ficar no pre-
sente. Enquanto escrevia, per-
cebi que isso é meio impossí-
vel, porque a mente fica se
movendo para frente e para
trás, então é claro que falo do
Cantora, compositora, artista plástica, fotógrafa amadora,
precursora do punk rock e perfomer também escreve
meu marido, das coisas que
aconteceram nas nossas vi-
das, no passado. O livro dá o
melhor retrato do que minha
vida é agora.
Então você conseguiu vi-
ver em um livro enquanto o
escrevia, certo? Como foi?
Patti Smith—
Como escre-
vo o tempo todo, é natural.
Escrevo, nem sempre publico.
Como também sou uma can-
tora de rock, algumas pessoas
imaginam minha vida como
sendo algum circo do rock n’
roll, e realmente não vivo as-
sim, tenho um estilo de vida
simples. O livro então é um
retratomais verdadeiro do que
a é a vida de uma escritora.
A literatura é sua primeira
profissão hoje emdia?
Patti Smith —
Sempre
foi, quer eu publicasse ou
não. Escrevo todo dia. Não
canto, componho ou me
apresento todo dia, mas es-
crevo. É assim há muitos
anos. Minha vocação é ser
escritora.
E a leitura? Você escreve
compaixão sobre Roberto Bo-
laño..
Patti Smith —
Claro, ele é
um dos mais importantes do
século 21. Totalmente. 2666 é
a primeira obra-prima do sé-
culo. Ele nos deu isso enquan-
to estava morrendo, é trágico.
A gente só pode sonhar sobre
o que ele teria escrito, porque
seu último trabalho foi essa
obra-prima. É triste para mim
que nós o perdemos, mas so-
mos sortudos de termos o tra-
balho que ele deixou.
Você comenta que passou
dois anos lendo e desconstru-
indo o 2666... como foi isso?
Patti Smith —
(Risos) Era
minha preocupação de estu-
do, mas eu também estava em
turnê. Eu visitei a família dele,
de fato seu filho tocou guitar-
ra com a gente em algumas
noites. Eles vivem em Blanes,
uma cidade muito legal no li-
toral da Espanha. Eu fotogra-
fei a cadeira de Bolaño.
E o poema para Bolaño
(Patti escreve que estava traba-
lhando em um poema de 100
versos para Bolaño, como uma
hecatombe)?
Patti Smith —
Eu concluí
o poema. Estou finalizando
um livro de poemas, e esse
será o principal. Foi um desa-
fio, e, como era para Roberto,
eu queria que fosse tão bom
quanto eu poderia fazer.
Asuamúsica temuma car-
ga política grande, mas quão
interessada em política você
está enquanto escritora?
Patti Smith —
Não quero
escrever sobre política. Minha
energia política, uso nas per-
formances, nos shows, na vida
pública. Sirvo melhor a essas
coisas me apresentando ao
vivo. Porque para mil ou cem
mil pessoas, posso dizer coi-
sas que são, espero, de algum
valor, é bemmais útil e direto.
Oqueestáacontecendonos
EUAparaqueumapessoacomo
DonaldTrumpsejaumconcor-
rentesérioàCasaBranca?
Patti Smith —
Infeliz-
mente, isso está espelhando
alguma mentalidade e frus-
tração do povo dos EUA. Nós
vivemos numa cultura diri-
gida por celebridades, pelas
mídia social, e ele é a epide-
mia de tudo que está errado
com essa cultura. A verdade
é que a média do povo ame-
ricano não é muito sofistica-
da. Eles não têm a cabeça
aberta, são muito preocupa-
dos com sua própria situa-
ção, não têm interesse no
meio ambiente, no sofrimen-
to de pessoas em outros pa-
íses. Trump apela para essa
mentalidade superficial e
egocêntrica. Não só por cau-
sa dele, mas com todo o elen-
co. Não temos ninguém con-
correndo que me faça sentir
bem sobre as possibilidades.
Mas você sabe que não vou
votar no Trump.
SERVIÇO
:
Linha M
Autora:
Patti Smith
Tradutor:
Claudio Carina
Editora:
Companhia das
Letras (216 p., R$39,90,
R$27, 90 o e-book)
“É natural. É assim há muitos anos. Minha vocação é ser escritora”
Divulgação
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