BEM
PARANÁ
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Cidades
CURITIBA, SEGUNDA-FEIRA, 13 DE JUNHO DE 2016
Projeto despicha Curitiba e torna
cenário urbanomais “leve”
“Poesia em Cores”, desenvolvido pela ACGB e o NAP, faz com que infratores deixem boa herança para a cidade
Rodolfo Luis Kowalski
Ao longo dos últimos me-
ses, diversos muros de Curiti-
ba, antes repletos de picha-
ção, ganharam nova vida.
Nesses espaços, hoje mais co-
loridos, foram pintadas belas
imagens e também mensa-
gens em forma de poesia. Um
exemplo que muitos deverão
recordar é a Travessa da Lapa,
na região central. A quadra
entre as ruas Pedro Ivo e José
Loureiro teve o muro pintado
em agosto do ano passado
com poemas e haicais do poe-
ta curitibano Alvaro Posselt e
da poetisa Adélia Woellner.
Curiosa e paradoxalmente,
umdos protagonistas dessa re-
novação urbana são justamen-
te os famigerados emal falados
pichadores. É que uma parce-
ria entre o Núcleo de Atenção
Psicossocial (NAP) dos Juizados
Especiais e a Associação dos
Condomínios Garantidos do
Brasil (ACGB) tem permitido a
esses jovens infratores a resso-
cialização e amadurecimento
pessoal e profissional por meio
de medidas socioeducativas. É
oprojeto“PoesiaemCores”,que
conta ainda com o apoio das
Tintas Coral.
De acordo com Deisi Mar-
gareteMommFonseca, coorde-
nadoradeprojetos daACGB—
uma instituição da sociedade
civil que trabalha para cuidar e
tornar a cidademelhor—opro-
jeto nasceu em 2012 e, a partir
de 2014, foi fechada a parceria
com o NAP. Desde então, uma
média de 50 “jovens-adultos”
têm sido recebidos dentro do
projeto Poesia em Cores todos
os anos. Em 2016 já foram 34
participantes.
“Queria um projeto que
fosse efetivo, fizesse os meni-
nos contribuírem. A ideia era
juntar a execução das medi-
das com cidadania, pertenci-
mento”, explica Deisi, que
para colocar o projeto emprá-
tica conseguiu a cessão de
autoria de obras de poetas lo-
cais. Com a parceria, aqueles
que antes eram encaminha-
dos para atuarem em proje-
tos com os quais não tinham
afinidade agora têm a opor-
tunidade de transformar o
olhar para a cidade e se resso-
cializarem.
“Esse projeto é muito le-
gal porque recupera o espaço
degradado, ajuda na reinser-
ção social e tem também um
viés educacional, proporcio-
nando contato com a arte, a
linguagem poética. É a Justi-
ça permitindo que os presta-
dores (de serviço) contribuam
com algo que fica para a cida-
de”, comenta a psicóloga Ju-
cemara Anar, coordenadora
do projeto no NAP.
Paulo Lisboa
Sociedade ainda
tem preconceito
De acordo com Karin An-
drzejewski, psicóloga do Nú-
cleo de Atenção Psicossocial
(NAP), um problema recor-
rente que a Justiça enfrenta é
o preconceito de grande par-
te das sociedade contra as
medidas socioeducativas,
como a prestação de serviços.
Segundo a especialista, esse
tipo de punição ainda é visto
como um “aliviar a barra”, um
sinal de impunidade, o que
não condiz com a realidade.
“São delitos leves, cometi-
dos por pessoas que geralmen-
te trabalham, têm família. Com
essasmedidas socioeducativas,
tentamos lembrar que ele é ci-
dadão,queestáintegradonuma
sociedade. Ele é acolhido e co-
meça a olhar as coisas de outra
forma”, complementa.
Travessa da Lapa, por onde começou o projeto de despiche da ACGB: “mudar o comportamento do pichador”
RÁPIDA
Perfil
O “perfil” dos participantes do projeto, que são
homens pegos em delito de pichação e condenados
a cumprir medidas de prestação de serviços, são
jovens com idade entre 20 e 25 anos, vindo de
famílias em condições econômicas desfavoráveis e
socialmente vulneráveis. Não à toa, o uso de drogas
(principalmente maconha) é recorrente — algo em
torno de 90%. Isso tudo, porém, torna ainda mais
evidente a mudança de postura entre aqueles que
cumprem medida com a ACGB e seus zeladores
(pessoas que cuidam da cidade e auxiliam os jovens
nas pintuas pela cidade). Se até alguns anos atrás a
maioria das ocorrências de pichação envolviam
adolescentes, ao alongo dos últimos anos houve uma
mudança no perfil desse público.
“
“O que percebo
é que os que
participam (do
projeto de
despiche Poesia
em Cores) ficam
mais motivados.
Eles sentem que
ganham um novo
espaço, uma voz.
Sentem-se
integrados,
socialmente
aceitos”
da coordenadora de
projetos da Associação
dos Condomínios
Garantidos do Brasil
(ACGB), Deisi
Margarete Momm
Fonseca
A coordenadora de proje-
tos da ACGB, Deisi Moom
Fonseca, aponta que a maio-
ria dos jovens que passam
pela Associação após serem
condenados a cumprir presta-
ção de serviços são muito ta-
lentosos, mas não sabem
como utilizar esse dom. “Eles
têm muito talento, são muito
articulados, inteligentes e
possuem, realmente, letras
muito bonitas. O problema é
a forma como utilizam esse
talento”, aponta a assistente
social.
Segundo ela, a pichação é
para os jovens uma forma de
expressão e, embora eles ne-
guem isso, seria praticamen-
te um grito por socorro à soci-
edade. “O picho é uma forma
de expressão, quase um pedi-
do de socorro. E o projeto vem
para mostrar que existem ou-
tras formas de se expressar.
Eles gostam bastante desse
processo construtivo, dessa
coisa do pertencimento. Eles
veemque podemdeixar regis-
trado no muro sem apanhar,
sempagar multa demil e pou-
cos reais, sem ter de encarar
processo. É um projeto edu-
cativo, não coercitio ou repres-
sivo”.
Atitude como forma de expressão
O antes e o depois na Rua Alexandre Gutierrez: antes pichada e agora depois do projeto Poesia em Cores
Paulo Lisboa
Paulo Lisboa