Jornal Bem Paraná - page 14

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CURITIBA, TERÇA-FEIRA,
22 DE DEZEMBRO DE 2015
Diversão
&Arte
BEM
PARANÁ
Em entrevista, a diretora da novela, Amora Mautner, fala das inovações e desafios da televisão
Comtoda tecnologia,
ARegra
doJogo
sebateparaemplacar
“Eu dirijo ator. Na Globo, muito diretor não dirige ator, só faz a marcação da cena”
J
oão Emanuel man-
teve a proposta de desa-
fiar opensamentodopú-
blico, sem entregar de
cara a relação entre seus
novos personagens.
Amora —
A gente
agora está entre 29 e 30
pontos em São Paulo, 34
no Rio. Vamos crescer
mais. Acho que a nove-
la começoumal, no sen-
tido da audiência, por
causa desse combo todo
(
DezMandamentos
e
Carros-
sel
), e o própriomomen-
to do País. A Globo pro-
duz conteúdo e priori-
za a relevância. A gente
sempre inovou, sempre
correu risco. Uma em-
presa de conteúdo que
não corre riscos é, na
minha humilde opinião,
fadada ao fracasso. Em
qualquer negócio de ris-
co, às vezes você se dá
melhor, às vezes se dá
pior. Agora, a gente
nunca perdeu na média
final nesse horário da
novela, mesmo com
toda essa competição.
As pessoas já estão
odiando o Tony Ramos?
Amora —
Amo tan-
to o Tony, que não con-
sigo odiar. Ele disse que
as pessoas o cumpri-
mentam com o lema da
facção, ‘Vitória na guer-
ra’, mas eu tinha uma
ligeira preocupação de
que ele, como vilão, so-
fresse qualquer rejei-
ção, e não tem isso. Não
há, aqui dentro, uma
política de ordem. Pas-
sei aqui pelo comando
de Boni, Daniel Filho,
Manoel Martins e ago-
ra o nosso amado Schro-
der (Carlos Henrique,
diretor-geral da Globo),
nunca vi um chefe falar
para um autor: ‘muda
isso’.
O noticiário tem
competido muito com a
ficção no Brasil?
Amora —
Muito,
está muito melhor. O
Brasil está passando por
um momento que é
uma loucura, isso está
acabando com a ficção.
“Momento
brasileiro
acaba com
a ficção”
Menos de um mês após o
fimde
OsDezMandamentos
, no-
vela da Record que abocanhou
boa fatia de audiência do Jor-
nal Nacional e da novela das
9 da Globo,
A Regra do Jogo
vai
engordando seus índices no
Ibope. Alémdo andamento do
enredo de João Emanuel Car-
neiro, fiel à proposta de quei-
mar cartuchos nomeio da his-
tória — foi revelado esta se-
mana que Gibson (José de
Abreu) é o Pai da facção crimi-
nosa —, já havia um público
que migrava da Record para a
Globo quando Moisés ainda
estava no ar.
Mas, afinal, por que uma
história milenar, gravada do
modo mais tradicional possí-
vel, com plano, contraplano e
closes, foi empecilho para uma
produção de cenografia ino-
vadora? A diretora Amora
Mautner recebeu o jornal
OEs-
tado de S.Paulo
no Projac, para
traçar um diagnóstico sobre o
contexto encontrado pela no-
vela. Estamos no switcher
(sala de onde o diretor coor-
dena a movimentação no es-
túdio). Nos monitores à nossa
frente, Débora Evelyn transi-
ta da cozinha para o banheiro
de sua casa cenográfica, sem
ter de interromper a cena para
aguardar pelo reposiciona-
mento de luz e câmeras. Amo-
ra nos leva até o estúdio, ex-
plica sua "caixa cênica", enge-
nharia criada por ela, com a
ajuda de Boninho e do Big
Brother, que dispensam o en-
gessamento das marcas para
os atores sob um único feixe
de luz. Caixas de luz ilumi-
nam cada canto de cenário.
Câmeras se espalhampor trás
de espelhos e quadros. "A
gente conversa e anda pra lá
e pra cá, como se fosse vida
real, é muito mais orgânico",
endossa Débora. E o público
percebe a evolução? "É bom
que não perceba mesmo",
atesta Tony Ramos, que con-
tracena com a atriz. Amora
concorda.
Opúblico nota alguma di-
ferença no resultado promovi-
do por essa engenharia ceno-
gráfica?
Amora Mautner —
Eu di-
rijo ator. Na Globo, muito di-
retor não dirige ator, só faz a
MAIS
Divulgação
marcação da cena. Eu trouxe
o Quique (Enrique Diaz) para
isso (aponta para o diretor, na
mesa do switcher): é um dire-
tor que dirige ator, é uma cul-
tura nova, na Globo. A maio-
ria dos atores ama, porque
ator quer ser dirigido. O gran-
de trunfo da caixa cênica é a
mise-en-scène: todo o andar
dos atores é registrado de uma
maneira direta. Normalmen-
te, uma novela funciona com
boca de cena, câmeras enfi-
leiradas e, na hora de marcar,
só tem um feixe de luz, de
modo que, se eu marcar um
ator no fundo do cenário, a
câmera não o pega. Eu odeio
isso. Tudo o que eu fazia ti-
nha que ser namarca. Eu digo:
‘fulana, quero te dizer uma
coisa’. Aí, corta, muda de lu-
gar e completa: ‘eu te amo’.
Isso não existe na vida.
É um efeito que se aproxi-
ma do cinema e das séries?
Amora—
BreakingBad
tam-
bém é gravada com tudo fe-
chado, mas fazem as cenas
várias vezes, com duas câme-
ras, reposicionando cada take.
Eu teria que ter muito mais
tempo pra fazer daquele jei-
to. O cinema é a mesma coisa,
mas, emnovela, não tem tem-
po pra usar duas câmeras e
obter esse efeito. O que eles
demoram cinco horas para
gravar, eu gravo em 15 minu-
tos. A caixa cênica é a chance
de usufruir de uma mise-en-
scène de 360 graus, sem pa-
rar. Não existe isso no mundo
—quero inclusive vender para
o mundo. É um ritmo que não
existe. Tenho que gravar um
capítulo por dia, não posso fi-
car parando e reposicionando
luz, câmera... A gente ficou
três anos estudando como fa-
zer com cenário fechado e
com as câmeras em vários ei-
xos. É possível fazer uma cena
em que a personagem vai
para cozinha, para sala e para
o banheiro, como vida real.
Acho que o público não per-
cebe porque não é um ganho
visual, pois a fotografia é
igualmente boa. É como a di-
ferença entre o teatro italiano
e o de arena. No primeiro, não
é possível ficar de costas; no
outro, o ator roda à vontade.
Amarca torna-se medíocre. E,
para o ator, sobra energia para
fazer uma sequência inteira
sem interromper dez vezes.
Mesmo assim, a novela
enfrentou a concorrência de
uma produção com essa mar-
cação engessada (
Os DezMan-
damentos
). É possível atribuir
o crescimento de audiência de
A Regra do Jogo
ao fim da no-
vela daRecord?
Amora —
Tenho o maior
respeito pelo Alexandre Avan-
cini (diretor de
Os Dez Manda-
mentos
). Mas, em primeiro lu-
gar, é preciso considerar que
um terço do Brasil é evangéli-
co, isso é muito forte. Infeliz-
mente, não consegui ver a
novela — tenho uma filha pe-
quena e trabalho obsessiva-
mente. A competição é boa
para todas as partes. Muita
gente deixou de ver (a Globo)
na novela anterior. Na segun-
da semana de
Babilônia
, muita
gente migrou daqui em busca
de outro nicho. E o que havia
era
OsDezMandamentos
,quees-
treou duas semanas depois, e
tem
Carrossel
(SBT), que tam-
bém pegou público. Quando
esta novela estreou,
Os Dez
Mandamentos
dava 23 (pontos
no Ibope). A abertura do Mar
Vermelho foi a 27. A gente
nem pegou tanto a ressaca de
troca de novelas, eles foram
crescendo em si. A gente pe-
gou uma terra salgada.
Mas o Gilberto Braga mu-
dou
Babilônia
em função de
grupos de discussão, ou não?
Amora —
Não posso falar
por ele, mas, se mexeu, foi
porque quis. O grupo de dis-
cussão é uma pesquisa de-
monstrativa. A Globo é uma
empresa de uma democracia
atroz. Essa novela do Gilberto
não foi tão autoral, era feita por
três autores, isso muda muito.
“A caixa cênica é
a chance de
usufruir de uma
mise-en-scène de
360 graus, sem
parar. Não existe
isso no mundo —
quero inclusive
vender para o
mundo. É um
ritmo que não
existe”.
Da diretora
Amora Mautner
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